Edição do dia 04/10/2015

04/10/2015 09h30 - Atualizado em 04/10/2015 09h30

Serra da Mantiqueira guarda tesouros da arquitetura e da história do Brasil

Estrada Real levou 20 anos para ficar pronta e foi feita com recursos privados.
Fazendas abasteciam a corte no Rio de Janeiro e a região mineradora.

Ana Dalla Pria

Um estado pode nascer a partir de uma serra? Esse é caso de Minas Gerais, que teve seu território incorporado ao país, quando as montanhas da Mantiqueira foram transpostas pelos bandeirantes, no século XVII.

A segunda reportagem da série sobre a Serra da Mantiqueira mostra que muitos fatos importantes da história do Brasil aconteceram nesta região.

Uma cadeia de montanhas imponente e bela, onde nascem muitos rios que escorrem pelas encostas. O nome, Mantiqueira, ela recebeu dos índios, seus primeiros habitantes.

O historiador Marcelo Lemos, explica que os índios já viviam na serra muito antes da chegada dos portugueses. “Por conta da riqueza e diversidade biológica... Nessa região você tinha muita caça. Então, os índios já estavam aqui e no Vale do Paraíba há nove mil anos”.

Muitas tribos viveram na Mantiqueira, como os Puris, Botocudos e Araris. “[A colonização] ela se faz em torno da busca do ouro”, diz o historiador Francisco Sodero. Ele explica que os bandeirantes foram os primeiros brancos a subir a serra. Eram paulistas que se aventuravam em expedições para desbravar o interior do Brasil. Essas viagens eram chamadas de Bandeiras, daí o nome bandeirante.

“A mais importante foi a de Fernão Dias Paes, que em 1674 saiu de São Paulo foi em direção a Minas Gerais em busca não só dos metais preciosos, mas das esmeraldas que ele procurava encontrar”, conta Sodero.

A busca do ouro colocou em guerra brancos e índios. Nos conflitos, muitos índios morreram, outros foram capturados e escravizados, e assim foram desaparecendo da Mantiqueira. Hoje, deles só restam lendas: 

Dizem que certa vez, um chefe da tribo dos Puris se perdeu na mata. Buscando o caminho de volta, ele encontrou uma pedra e percebeu que ao bater nela, ela produzia um som bem diferente.  Foi batendo na pedra que ele acabou sendo ouvido pelos companheiros e foi encontrado. A partir daí os índios passaram a acreditar que bastava bater na pedra para conseguir proteção.

Em 1694, Garcia Paes, filho de Fernão Dias, encontrou o primeiro veio de ouro, na região de Ouro Preto, em Minas Gerais. Dando início a um novo ciclo da economia da Mantiqueira e do Brasil.

Essa história se passa nas cercanias da chamada Estrada Real, que hoje é toda sinalizada por marcos. O primeiro trecho da estrada ligava o porto de Paraty, no litoral do Rio de Janeiro até a região de Ouro Preto:

“Esse caminho se torna no início, o único caminho em que era permitido o transporte do ouro. Então, por isso mesmo, recebe o nome de Estrada Real”, conta Sodero.

No século XVIII, o governo português autorizou a abertura uma nova estrada, ligando as minas diretamente ao porto do Rio de Janeiro, de onde o ouro embarcava para Portugal. Ela levou mais de 20 anos para ficar pronta e foi feita por Garcia Paes, com dinheiro próprio.

“Era uma iniciativa privada. Ele tinha o direito de cobrar o pedágio, para recuperar o investimento que ele fez”, Edson Brandão, historiador.

Além de pedágio, quem transportava ouro tinha que pagar imposto à coroa portuguesa. Ao longo da estrada real, existiam casas de registro, para recolher as taxas. Uma delas, localizada na cidade de Barbacena, está em restauração.

“Data de 1701, Minas Gerais ainda nem existe formalmente. Ainda era um pedaço de São Paulo”, conta Brandão.

 

Para ocupar as terras ao redor da Estrada Real e expandir as fronteiras do país, no início do século XVIII, o governo português começou a distribuir sesmarias: imensas extensões de terra, doadas pela coroa aos amigos do rei. Assim surgiram as primeiras fazendas e casarões da serra.

A Fazenda Borda do Campo é considerada a mais antiga fazenda da parte mineira da Serra da Mantiqueira. Ela começou a ser aberta por volta de 1710.

Foi o próprio Garcia Paes quem abriu a área e construiu a casa que resiste até hoje.  “Ela tem muito do paulista ainda, do bandeirista. Com o alpendre, que é a varanda, é o início da ocupação de Minas Gerais literalmente”, declara o historiador Brandão.

As fazendas da Mantiqueira abasteciam a corte, no Rio de Janeiro, e a região mineradora. “Isso explica porque nós vamos ter potentados, ou seja, fazendeiros muito ricos, muito influentes”.

Sinônimos de riqueza e poder, os casarões estão por toda parte, com suas janelas coloridas, paredes de adobe e telhas de barro. São marcos da arquitetura colonial brasileira. Abrigavam as famílias que viviam na Mantiqueira e também hospedavam tropeiros e viajantes, por isso as casas têm muitos quartos e salões. Quase todas têm capelas, com santos e oratórios, esculpidos em madeira, há mais de 200 anos.

A sede da Fazenda Santa Clara, no município de Santa Rita do Jacutinga, em Minas Gerais, impressiona. A casa levou 25 anos pra ser construída e tudo nela faz referência à duração de um ano. São 365 janelas, 12 salões e 52 quartos, que é o número de semanas que tem no ano.

Em 1815, o comendador Teresiano, ganhou cinco mil hectares do governo e construiu a casa que só ficou pronta em 1840. De lá pra cá, a fazenda passou por vários donos. Em 1924, parte da área foi comprada pelo avô de Adélia Nogueira. “Ele pagou em 10 prestações de 90 contos de réis”, conta.

Adélia conta que, apesar do tamanho, a casa só tinha um banheiro e que ainda ficava do lado de fora. “Realmente o europeu não tinha uma cultura de higiene. Os quartos de fazenda tinham uma mesa, chamada de mesa suíte. Nela ficava um jarro cheio d’água, com uma bacia, para lavar o rosto. Quando queriam ir ao banheiro, tiravam a bacia e logo abaixo estava o vaso. Na parte de baixo da mesa ficava o chamado urinol, que tinha uma tampa para não ficar cheiro. Quando necessitavam usar outra vez, pegavam debaixo da cama o pinico. Só que o pinico não tem tampa. Então, quando usavam, pra não ficar cheiro no quarto, guardavam dentro do criado mudo”, explica Adélia.

A Santa Clara chegou a ter 2.800 escravos, tratados com mão de ferro pelo comendador. Como o comendador pertencia à maçonaria, na capela da fazenda, os santos católicos dividem espaço com os símbolos maçons.

Na Mantiqueira o que não falta é história. A segunda parte da reportagem, mostra como a serra contribuiu para o crescimento da agropecuária brasileira. Foi lá que começou a criação do principal rebanho de leiteiro do país. O Globo Rural mostra também porque o café se espalhou pelas montanhas e conta a saga dos imigrantes que transformaram a Mantiqueira numa grande produtora de queijos finos.

 

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