Impressão artística do exótico sistema estelar binário AR Scorpii. — Foto: M. Garlick/University of Warwick/ESO
Explosões de rádio de baixa intensidade, que se repetem, intrigam os astrônomos desde que foram descobertas em 2022.
Em uma nova pesquisa, rastreamos, pela primeira vez, um desses sinais pulsantes até sua origem: um tipo comum de estrela leve, chamada anã vermelha, provavelmente em uma órbita binária com uma anã branca, o núcleo de uma estrela que explodiu há muito tempo.
O mistério das pulsações lentas
Em 2022, nossa equipe fez uma descoberta impressionante: pulsações de rádio periódicas, que se repetiam a cada 18 minutos, vindas do espaço. As pulsações eram mais brilhantes do que qualquer coisa ao redor, brilhavam intensamente durante três meses e depois desapareceram.
Sabemos que alguns sinais de rádio que se repetem vêm de um tipo de estrela de nêutrons chamada pulsar de rádio, que gira rapidamente (geralmente uma vez por segundo ou mais rápido), emitindo ondas de rádio como um farol.
O problema é que nossas teorias atuais dizem que um pulsar girando apenas uma vez a cada 18 minutos não deveria produzir ondas de rádio.
Portanto, acreditamos que nossa descoberta de 2022 poderia apontar para uma nova física empolgante – ou ajudar a explicar exatamente como os pulsares emitem radiação, algo que, apesar de 50 anos de pesquisa, ainda não é muito bem compreendido.
Desde então, novas fontes de rádio com pulsações mais lentas foram descobertas. Atualmente, há cerca de dez "transientes de rádio de longo período" conhecidos.
No entanto, encontrar mais exemplos não foi suficiente para resolver o mistério.
Buscando nas margens da galáxia
Até agora, todas essas fontes foram encontradas no centro da Via Láctea. Isso torna muito difícil identificar qual estrela ou objeto está gerando as ondas de rádio, porque há milhares de estrelas em uma área pequena. Qualquer uma delas poderia ser responsável pelo sinal, ou nenhuma delas.
Então, começamos uma campanha para escanear o céu com o radiotelescópio Murchison Widefield Array, localizado no oeste da Austrália, que pode observar 1.000 graus quadrados do céu a cada minuto.
Um estudante de graduação da Universidade Curtin, Csanád Horváth, processou dados que cobriam metade do céu, procurando por esses sinais escorregadios em regiões mais esparsamente povoadas da Via Láctea.
Um dos elementos do Murchison Widefield Array, um radiotelescópio no oeste da Austrália que observa o céu em baixas frequências de rádio. — Foto: ICRAR / Curtin University
E, de fato, encontramos uma nova fonte!
Denominada GLEAM-X J0704-37, ela produz pulsos de rádio que duram um minuto, como outros transientes de rádio de longo período. No entanto, esses pulsos se repetem apenas a cada 2,9 horas, tornando-a o transiente de rádio de longo período mais lento encontrado até agora.
De onde vêm as ondas de rádio?
Realizamos observações complementares com o radiotelescópio MeerKAT, na África do Sul, o mais sensível no hemisfério sul.
Elas localizaram as ondas de rádio com precisão: elas estavam vindo de uma estrela anã vermelha. Essas estrelas são incrivelmente comuns, representando 70% das estrelas da Via Láctea, mas são tão fracas que nenhuma delas é visível a olho nu.
Combinando observações históricas do Murchison Widefield Array e novos dados do MeerKAT, encontramos que os pulsos chegam um pouco mais cedo e um pouco mais tarde em um padrão repetitivo. Isso provavelmente indica que o emissor de rádio não é a anã vermelha em si, mas sim um objeto invisível em órbita binária com ela.
Baseado em estudos anteriores sobre a evolução das estrelas, achamos que esse emissor de rádio invisível é mais provavelmente uma anã branca, que é o estágio final das estrelas de pequeno a médio porte, como o nosso Sol. Se fosse uma estrela de nêutrons ou um buraco negro, a explosão que a criou teria sido tão grande que teria interrompido a órbita.
Para dar certo, precisa de um par
Mas como uma anã vermelha e uma anã branca geram um sinal de rádio?
Provavelmente, a anã vermelha produz um vento estelar de partículas carregadas, assim como o Sol. Quando esse vento atinge o campo magnético da anã branca, ele é acelerado, produzindo ondas de rádio.
Isso pode ser semelhante à forma como o vento estelar do Sol interage com o campo magnético da Terra para produzir belas auroras e também ondas de rádio de baixa frequência.
A fonte das ondas de rádio, vista pelo MWA com baixa resolução (círculo magenta) e pelo MeerKAT com alta resolução (círculo ciano). Os círculos brancos são todas estrelas da nossa própria galáxia. — Foto: Hurley-Walker et al. 2024/Astrophysical Journal Letters
Já conhecemos alguns sistemas como esse, como o AR Scorpii, onde variações no brilho da anã vermelha indicam que a anã branca companheira está atingindo-a com um poderoso feixe de ondas de rádio a cada dois minutos.
Nenhum desses sistemas é tão brilhante ou tão lento quanto os transientes de rádio de longo período, mas talvez, à medida que encontrarmos mais exemplos, conseguiremos elaborar um modelo físico unificador que explique todos eles.
Por outro lado, pode haver muitos tipos diferentes de sistemas que podem produzir pulsações de rádio de longo período.
De qualquer forma, aprendemos o poder de esperar o inesperado – e continuaremos a escanear o céu para resolver esse mistério cósmico.
*Natasha Hurley-Walker é astrônoma de rádio na Universidade Curtin (Austrália).
**Este texto foi publicado originalmente no site do The Conversation Brasil.
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