Pesquisadores brasileiros documentaram o primeiro caso de uma criança que não tem microcefalia, mas teve lesões neurológicas e oculares graves causadas pelo vírus da zika.
Eles alertam que o espectro de problemas causados pela doença é mais abrangente do que o desenvolvimento anormal da cabeça dos bebês, e que crianças atingidas podem ainda não ter recebido atendimento.
O estudo confirma observações que já vinham sendo feitas pelos médicos de que o vírus poderia trazer consequências mesmo para bebês que, inicialmente, aparentavam não ter alterações na circunferência da cabeça.
Atualmente, a microcefalia - entendida pelo Ministério da Saúde como um perímetro cefálico menor do que a curva normal para seu sexo e idade - é condição para investigar casos de bebês nascidos nos últimos meses que possam ter sido afetados pelo vírus.
Mas em texto divulgado na revista científica The Lancet na noite desta terça-feira, médicos da Fundação Altino Ventura, do Hospital dos Olhos de Pernambuco e do Instituto da Visão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) descrevem o caso de uma criança pernambucana que nasceu com 38 semanas, 3,5 kg e perímetro cefálico medindo 33 cm - normal para sua idade, portanto - mas apresentou outras lesões características do que os pesquisadores já chamam de Síndrome Congênita da Zika.
"A extensão da doença é muito maior. Não dá para excluir a zika só porque a microcefalia está presente. Isso piora muito o problema", disse à BBC Brasil o oftalmologista Rubens Belfort, da Unifesp, um dos responsáveis pelo estudo.
Quadro neurológico
Desde o nascimento, o bebê apresentou espasmos musculares nos braços e pernas. Exames de imagem mostraram calcificações em seu cérebro - cicatrizes causadas por infecções, que impedem o desenvolvimento cerebral.
Em exames oftalmológicos, os médicos também encontraram nele lesões oculares semelhantes às encontradas em bebês com microcefalia.
A mãe da criança não apresentou sintomas da doença, mas, após serem descartadas outras infecções, um exame do líquor - líquido cérebro-espinhal - da criança mostrou a existência de anticorpos para o vírus da zika.
A oftalmologista Camila Ventura, que conduziu os exames da criança em Pernambuco, diz que outros dois casos semelhantes estão sendo estudados.
Segundo a médica, a descoberta mostra a importância de que pediatras e pais observem com atenção o desenvolvimento dos bebês nascidos após surtos de zika, especialmente se suas mães tiveram sintomas durante a gravidez.
"É preciso levar em consideração o quadro neurológico da criança, não só o tamanho da cabeça. Em qualquer suspeita de que existam lesões no cérebro tem que se levantar a Síndrome Congênita da Zika, dentro do guarda-chuva de possibilidades", disse à BBC Brasil.
"Queremos mostrar que isso é uma síndrome e tem um espectro. A criança pode ou não ter microcefalia, lesões oculares, auditivas, espasmos, convulsões. Como o Ministério da Saúde tem colocado a microcefalia como critério para continuar investigando os casos, você pode acabar excluindo crianças que têm lesões neurológicas. E muitas dessas mães são do interior, demoram a chegar até nós."
Atualmente, o Brasil tem 1.551 casos confirmados de microcefalia e 3.017 ainda em investigação.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que "está investigando todos os casos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso central informados pelos Estados, e a possível relação com o vírus Zika e outras infecções congênitas".