03/12/2015 19h17 - Atualizado em 03/12/2015 19h36

Professor acusa PM de agressão em abordagem: 'festival de arbitrariedade'

Caso aconteceu na cidade de Juazeiro, na região norte da Bahia.
Docente diz que levou tapa ao deixar casa para ir ao dentista.

Do G1 BA

Um professor de Ciências Socias da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) acusa um policial militar de agressão, durante abordagem na cidade de Juazeiro, região norte da Bahia. Nesta quinta-feira (3), em entrevista ao G1, Nilton de Almeida Araújo disse que levou um tapa na cara, após ser algemado, quando saía de casa de moto para ir ao dentista.

O professor afirmou que prestou queixa na corregedoria da Polícia Militar da cidade na terça-feira (1º). O reitor da Univasf, Julianeli Tolentino de Lima, encaminhou para o Comando de Policiamento de Juzaeiro, na quarta-feira (2), um ofício denunciando o que chamou de "abuso de autoridade policial". A reitoria da instituição de ensino também divulgou nota de repúdio. Procurada pelo G1, a Polícia Militar disse através de nota que, por meio do Comando de Policiamento Regional Norte (CPRN), instaurou um feito investigatório para apurar o fato e adotar as medidas necessárias que o caso requer.

De acordo com o professor, a agressão aconteceu no último final de semana. Ele conta que foi abordado por uma viatura da Polícia Militar, no sábado (28), e que os policiais alegaram que a motociclieta conduzida por ele estava com licenciamento vencido.

"Eu estava saindo para o dentista de moto, e um grupo de policiais fez sinal para que eu parasse. Antes que eu tirasse o capacete, pediram para eu colocar as mãos na cabeça. Um deles ficou me revistando e segurando minhas mãos. O outro, que pareceia ser o chefe, insistia para que eu colcasse as mãos na cabeça, mas eu disse que minhas mãos já estavam sendo seguradas pelo outro agente", destacou.

O professor afirma que teve documentos e objetos pessoais jogados no chão e que os policiais disseram que a a moto dele teria de ser apreendida por falta de licenciamento.

"Entreguei todos os documentos e habilitação da moto. Ele olhou e disse que estava sem licenciamento. Expliquei que já tinha pago pelo licenciamento, mas que o Detran ainda não tinha me enviado, como acontece com milhões de pessoas. Eu estava com o documento de 2013 e com comprovante de pagamento de 2015, mas ele não quis saber e disse que estava irregular", destacou.

O professor conta que, depois, fez um gesto para indicar a casa onde morava e disse que iria chamar a esposa, mas que o policial entendeu o ato como desacato e o agrediu.

"Eu fiz gesto com o braço para dizer que chamaria minha esposa para comprovar que eu tinha feito o pagamento. Mas ele disse que eu estava o desacatando e me deu um tapa na cara. Foi uma coisa totalmente inesperada. Nunca imaginei que pudesse passar por algo do tipo. Em seguida, me algemaram e toda a vizinhaça estava assistindo o ato dantesco e grotesco. Foi um festival de arbitrariedade", disse.

O docente foi levado para a delegacia, onde prestou depoimento e, em seguida, foi liberado. Nilton também classificou a ação da polícia como racista, pelo fato de ser negro.

"Foi um ação racista pelo resultado. Ela é resultado de uma cultura em que a abordagem se baseia em estereótipos. Não tive tempo de fazer nada, foi tudo muito rápido. No Brasil, o racismo é crime perfeito, e a pergunta que fica é: porque ocorre desproporção no momento de abordagem?".

A Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde Nilton foi aluno de mestrado, também divulgou, na quarta (2), nota de repúdio pela agressão. Confira a nota na íntegra abaixo:

Nota de repúdio à agressão ao professor Nilton Araújo

A Universidade Federal da Bahia recebeu com indignação a notícia da violência arbitrária sofrida pelo Professor Nilton de Almeida Araújo, no dia 28/11/2015, ao ser abordado pela Polícia Miliar na cidade de Juazeiro, Bahia, onde reside.

Nilton Araújo foi aluno da nossa universidade, onde obteve seu Mestrado, hoje é Professor da UNIVASF e Doutor em História pela UFF. O professor Araújo sofreu duramente a violência física e moral do racismo, quando foi arbitrariamente agredido, algemado, detido e conduzido em camburão à delegacia por soldados da Polícia Militar, durante uma ronda nas proximidades da sua residência, sob as vistas dos vizinhos - ao que tudo indica, como de costume, apenas porque é negro.

Acontecimentos como este juntam-se a tantos repetidamente noticiados e a tantos outros repetidamente omitidos e silenciados. De fato, a violência material e simbólica contra homens e mulheres negros ou pobres, sejam crianças, jovens ou adultos, é um dos mais vergonhosos e lamentáveis estigmas da sociedade brasileira. Mais do que reconhecê-la oficialmente, é preciso enfrentá-la vigorosamente, por um lado, manifestando-se e repudiando toda e qualquer ocorrência de racismo ou violência contra a população negra, por outro lado, tomando as providências práticas necessárias e cabíveis para que a situação seja investigada e responsáveis responsabilizados.

A UFBA, pois, manifesta a sua solidariedade ao professor Nilton de Almeida Araújo, protestando contra a violência arbitrária a que foi submetido, como também manifesta-se solidária a todos aqueles, conhecidos ou anônimos, que vêm sistemática e repetidamente sofrendo a violência material ou simbólica diretamente associada ou decorrente do racismo.

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