Estudantes desenvolvem pesquisa para transformar resíduos de pescados em ração animal
Estudantes baianos desenvolveram uma pesquisa para transformar resíduos orgânicos de pescados em ração animal e gerar renda extra para trabalhadores do Porto das Sardinhas, localizado no bairro de São João do Cabrito, periferia de Salvador.
O projeto nasceu em uma visita técnica em que Pablo Santos e Júlia Ferreira, de 18 anos, e Yasmim Arruda, de 17, analisaram o cotidiano dos trabalhadores do local, os valores que conseguiam ganhar através da atividade, e a maneira como descartavam resíduos.
💡 Cientistas do amanhã: em uma série de quatro reportagens, o g1 destaca projetos inovadores de estudantes da Bahia que, com muita criatividade, propuseram soluções para problemas do cotidiano.
O perfil das pessoas que trabalham no porto chamou a atenção dos estudantes: maioria é formada por mulheres pretas e mães solo, que sofrem com a vulnerabilidade socioeconômica, marginalização e desvalorização do trabalho.
"Conversamos com essas trabalhadoras e elas explicaram que o quilo da sardinha custa R$ 0,50 e que, em um dia de trabalho, elas costumam ganhar R$ 10", disse Pablo.
Foi então que surgiu a ideia de utilizar resíduos orgânicos dos pescados que eram descartados. Segundo Pablo, a ração desenvolvida por eles pode ser inserida tanto no mundo pet, para caninos e felinos, quanto para a piscicultura. A equipe, que estuda na escola Sesi Reitor Miguel Calmon, na capital baiana, foi orientada pelo professor Anderson Rodrigues.
📚 A pesquisa foi submetida à Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace). O evento é realizado na Universidade de São Paulo (USP) e busca fomentar o pensamento científico e inovador em jovens estudantes de escolas públicas e privadas.
"Foram submetidos 6 mil projetos para 250 vagas e eles foram aprovados. Então dá para perceber que a pesquisa tem uma boa fundamentação teórica", exaltou o professor.
O professor Anderson Rodrigues e os alunos Júlia Ferreira, Pablo Santos e Yasmim Arruda — Foto: Arquivo Pessoal
Prototipagem da ração
Processão de criação do protótipo da ração animal — Foto: Arquivo Pessoal
Para desenvolver e executar o projeto, os estudantes contaram com apoio da Escola Sesi, do Senai Cimatec e da Cooperativa de Pescadores Baía de Todos-os-Santos (Coopesbas).
🔎 Entenda como cada instituição contribuiu:
- Sesi: é a escola onde a equipe estuda e que apoia a realização da pesquisa através de atividades extracurriculares disponíveis na unidade;
- Senai Cimatec: responsável por realizar a análise bioquímica da ração e garantir que o produto tenha qualidade;
- Coopesbas: realizou a ponte entre os resíduos das trabalhadoras com a indústria de ração pet; vai receber os resíduos de pescados e fazer a venda para a empresa que cria a ração.
Após a coleta dos resíduos no Porto das Sardinhas, os passos seguintes foram a pesagem, dessecagem, peneiração para para separar os elementos sólidos, análise bioquímica e estruturação que, por fim, resultou em uma farinha proteica.
Em seguida, o material foi colocado em um molde. Os estudantes utilizaram cartelas de remédio para desenvolver o protótipo.
Ração animal criada através de resíduos orgânicos de pescados — Foto: Arquivo Pessoal
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Ideia e viabilidade do projeto
O projeto da ração pet começou em 2023, inicialmente por outra equipe, que se formou e acabou não dando continuidade. Neste ano Pablo, Júlia e Yasmim entraram no programa de iniciação científica e tinham a possibilidade de começar um novo projeto, ou dar seguimento a um já existente.
Foi então que os estudantes se encantaram com o projeto da ração pet, viram potencial socioeconômico nele e assumiram a condução da pesquisa e o desenvolvimento do produto.
Porto das Sardinhas, em Salvador — Foto: Arquivo Pessoal
A decisão foi uma surpresa para Anderson Rodrigues, já que os estudantes faziam parte do curso técnico de automação. "Eles tiveram que fazer um curso para ir para o laboratório de biotecnologia, em outro campus do Senai, para fazer os testes químicos e biológicos", explicou.
Entre os principais desafios para viabilizar o produto está a logística para recolhimento dos resíduos pela indústria, sinalizou o professor.
"Aqui em Salvador não tem indústria de ração animal. Nós identificamos uma em Vitória da Conquista, no sudoeste do estado, e outra na Paraíba. Então tem essa questão da distância, porque você vir para Salvador buscar os resíduos e depois voltar para Vitória da Conquista ou ir para Paraíba é, de fato, um custo de logística", explicou.
Diante desse cenário, o orientador destacou a necessidade de atrair a indústria de ração animal para a capital baiana, tendo em vista o grande potencial econômico da pesca na cidade.
"Há uma necessidade de investir, de atrair, de dar subsídios às indústrias para que elas venham para Salvador. Isso fortalece a indústria de pescados e trará benefícios para o nosso estado", sugeriu.
Professor orientador do projeto explica como renda extra será paga às trabalhadoras
A forma como as trabalhadoras teriam retorno financeiro poderia ser negociada entre elas e a Coopesbas, responsável por receber os resíduos, armazená-los e fazer a ponte com a indústria de ração animal.
A partir do alinhamento entre trabalhadoras, cooperativa e indústria, o valor do quilo do resíduo poderá ser quantificado e, assim, uma tabela de preços poderá ser desenvolvida. O pagamento poderia ser feito no momento em que as trabalhadoras pesassem o resíduo e entregasse à cooperativa para armazenamento.
"Então ela [cooperativa] pesa, paga no dia para a tratadora, ou pode se criar ali créditos e no final do mês pagar ou descontar na mensalidade que a trabalhadora paga à cooperativa. Enfim, existem vários meios para se fazer o pagamento a essas tratadoras de pescados. A cooperativa deixou várias possibilidades para que isso aconteça", acrescentou.
Estudantes durante visita técnica no Porto das Sardinhas — Foto: Arquivo Pessoal
Além do desenvolvimento de um produto inovador e com cunho social, o projeto fez com que os estudantes desenvolvessem senso crítico.
"Participar dessa pesquisa ajudou a desenvolver meu pensamento em relação a problemáticas do cotidiano, que estão presentes na sociedade, e que são temas sensíveis que o estado e o governo acabam não discutindo", comentou Pablo.
O professor por sua vez destacou o quão gratificante é orientar a equipe de um projeto como este.
"Eles desenvolveram algo que é significativo socialmente e que pode ajudar mudar a vida das pessoas, de fato. Não tem como não amolecer o coraçãozinho do professor, não tem como a gente não se encantar", afirmou.
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