Distante cerca de 12 km da Avenida Paulista, em uma viela do Jardim Colombo, parte do complexo de Paraisópolis, o entregador Wallece Gonzaga de Souza habita um
cômodo de apenas 7,30 m2, com um banheiro improvisado. Como não há chuveiro nem estrutura para encanamento, todo dia ele precisa arrumar um horário para tomar banho na casa da mãe, pertinho dali. “É ruim porque ela dorme cedo para sair de manhã para trabalhar. Evito chegar muito tarde para não atrapalhar”, conta. Até pouco tempo atrás, Wallece
alimentava o sonho do banheiro próprio, projeto que começou a tomar forma no início do ano. Ele só não imaginava que a obra, impulsionada pela
CASACOR São Paulo, acabaria por se tornar uma extensão da mostra, em uma ação orquestrada pela arquiteta e ativista
Ester Carro com Livia Pedreira, presidente do conselho curador.
Mais que um chuveiro
A ideia sucede a repercussão positiva do
Espaço Motirõ, em 2023, dedicado ao morar periférico. Nesta sua segunda participação, Ester deu um
passo além na abordagem do tema: lidou não com um ambiente controlado, mas, sim,
com uma história e um cenário reais da cidade. “Considero uma continuidade do trabalho do ano passado, quando discutimos a periferia dentro da mostra.
Desta vez, tomamos o caminho inverso. Vamos provar que a arquitetura social consegue provocar mudanças”, argumenta. Ela comanda o
Instituto Fazendinhando, que, além de recuperar áreas abandonadas, tem oferecido cursos de formação na construção civil para mulheres da comunidade e reformado moradias do bairro. A instituição conta, desde 2020, com o apoio da
CASACOR São Paulo, que fornece insumos para a concretização dessas ações,
incluindo materiais e objetos remanescentes das edições anteriores. Para montar a
Casa do Wallece, o ambiente avançado do percurso, Ester ampliou a metragem, totalizando 10,50 m
2.
Nos interiores, a profissional aproveitou cada canto para
conquistar uma estrutura completa de residência. “Planejamos uma cama elevada, em uma espécie de mezanino. Também aumentamos a quantidade de janelas”, descreve. Abaixo da área de dormir, surgiram armários sob medida e, na sequência, uma pequena bancada de cozinha, geladeira e um tanque. Na ponta da casa, ergue-se o desejado banheiro. “Eu só queria mesmo um lugar para tomar banho e ter alguma privacidade.
Agora, é como se eu tivesse ganhado na loteria”, fala Wallece. Com tantas perspectivas renovadas, ele não esconde o entusiasmo: “Quero inspirar mais gente a ajudar o Instituto. Quem está no alto escalão pode doar e mudar vidas.
Essa iniciativa vai fazer história”, diz, esperançoso.
Para Ester, a ousadia de incluir uma moradia real na
CASACOR vem de um
esforço de sensibilização do público. “A história do Wallece não é exceção. Essa é a situação de vários entregadores e
motoboys paulistanos, jovens que não tiveram acesso à educação e que estão batalhando no dia a dia.
Devemos dar voz a quem está invisibilizado”, afirma. “Muitos moram em lugares assim sem qualquer auxílio técnico. A arquitetura que aprendemos na faculdade acaba ficando muito longe dessa realidade. E um
layout bem planejado pode
impactar a saúde física e mental de uma pessoa periférica. Hoje, no Fazendinhando, temos a missão de
lutar por dignidade para essa população”, completa a arquiteta. A
Casa do Wallece estará aberta a tours guiados organizados pela
CASACOR e pelo Instituto Fazendinhando,
a serem divulgados em nossos canais digitais. A respeito da expectativa sobre a reação dos visitantes, Ester afirma, convicta do valor simbólico do espaço: “A partir do momento em que a CASACOR encampa essa iniciativa social,
isso influencia e engaja muita gente”.